quarta-feira, maio 15, 2024

O NÚMERO DE UMA VIDA


 Este era o meu número de roupa no seminário. A minha mãe bordava toda a minha roupa com este número, todos os anos, devotamente. Só fiquei com esta peça, um guardanapo. 241... Éramos centenas de alunos, esta era a única forma da lavandaria não perder a minha roupa. E como eu gostava de ir à lavandaria, era uma pavilhão, a cheirar a lavado, gerido por um grupo de senhoras cheias de simpatia, iam substituindo a mãe que não tínhamos connosco. Fazia sentido. 

Tinha 12 anos quando entrei no seminário e saí com 24, as duas situações por minha vontade, as duas situações muito difíceis de gerir, muito mesmo. Mas sempre, sempre por minha vontade. Há poucas coisas na minha vida que são contra a minha vontade, de momento nem me lembro de alguma. 241... parece que foi noutra vida. As despedidas ao domingo, uma a 2 semanas sem ver a minha mãe. Ela fazia-me a cama aos domingos, e quando me deitava procurava o cheiro dela para afogar a saudade. Quando se ia embora, eu subia ao ponto mais alto do seminário para a ver apanhar o autocarro e regressar a casa, onde a praia vivia bem sem mim. Aprendi teatro, poesia, canto, estudos rigorosos. Fiz-me homem. Com 12 anos comecei a ser adulto, quarto arrumado, cama bem feita, horário rígido, ao minuto. Foi muito duro, mas fez-me muito bem. Confesso, se fosse hoje, com 12 anos não iria, e ainda bem que esta idade terminou, agora vai-se para o seminário já crescido. Eu era tão menino, tão miudinho. Acreditem, pegava na roupa, bordada com 241, e em cada ponto procurava a casa, procurava a minha mãe. 


Crescer não é fácil, mas quando olhamos para trás e vemos o que somos, valeu a pena todos os sacrifícios e ausências. Eu tinha sempre comigo o secreto 241... bordado a ponto de mãe.

Honestamente, parece que foi há 100 vidas!


Aproveitem. Abraços

Hélder

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