Na sua estufa de avencas e orquídeas
Não sou de revisitar o passado. Não sou de saudade. Não sou do se eu tivesse feito. Menos numa realidade, a minha mãe. Nas raras vezes que volto a Esmoriz, a nossa terra natal, vou ver o mar, no lugar onde o via com a minha mãe. Fazíamos silêncio e olhávamos com tempo, para as ondas. Ela, gentilmente, inclinava a cabeça para o salgado e dizia-me: parece impossível, como ele não sai dali e as ondas continuam a bater! Não era resposta de ciência que querias, era resposta de fascínio. Dizia-te, é assim que sempre foi, . Era aqui que fazíamos praia. - Pois era. Foi aqui que fizeste praia pela última vez. Não lhe disse. Era sempre a mesma pergunta, e eu gostava de a ouvir para sempre.
Depois vou à casa que foi dela, e já não a vejo. A estufa desabou, os vasos mudaram de lugar, muitas das plantas morreram, tem tudo outra ordem, que não a dela, a tua. Lembro-me de te ver rir, no riso saio a ti, entre as tuas avencas e orquídeas. Como adoravas as tuas plantas, era o teu jardim da liberdade, como a praia. No verão, depois de dezenas de dias de idas e vindas, de banhos de sol intermináveis e no final de época, olhavas para o mar e dizias-lhe, adeus, até para o ano. Porque para a minha mãe o inverno não tinha praia.
Tento respirar-te pela casa, o teu cheiro vai-se diluindo com as horas do teu relógio parado. Até a rua da tua porta, feita de paralelos antigos, agora é de fúnebre alcatrão. Não ias gostar, ou até ias, não eras de fazer favor à opinião.
Sinto que as coisas não só não têm o teu lugar, como não têm o teu nome, já não és dali. Eu ando bem, contigo presente no sítio da única saudade que tenho, a de ti. Queria mais umas horas contigo. Acho que o queríamos todos os enlutados desta vida, a quem parte do amor nos morreu.
Até já.