- Anda, levanta-te.
-Para quê?
- Não é para quê, é porquê.
- E então? Tenho sono e não tenho mais nada. Está a chover, não tenho roupa de chuva. Mesmo que tivesse não posso sair, mesmo que pudesse sair, não tenho para onde ir.
- Só bons motivos para te levantares, não teres motivo e teres tempo.
- Tempo para?
- Tempo para viveres com tempo.
-Isso é para filósofos.
-Isso é para os inteligentes.
-Não sou nem uma coisa,... nem outra! Vês?! Deixa-me em paz. Andor.
-Um dia um rei mandou o seu povo plantar amoreiras. O povo estranhou. Porque haveriam de estourar o tempo morto? O rei era severo nas suas vontades. O povo obedeceu. O povo vivia gretado do sol e dizia que as suas terras eram de nada e de ninguém. O povo usou o tempo.
- Estou a dormir...
- Passaram duas gerações. O rei morreu. O povo morreu com ele. A terra passou a ser conhecida pela seda, pelas amoreiras, e pela sombra. O novo povo saia de casa só para a sombra das amoreiras, e pelo aroma do seu fruto que pintava o chão. Deixou de ser gente gretada pelo sol.
- Durmo... Vá lá, que queres com estas tretas de histórias?
- Podes ser o povo do rei. Usa o tempo e planta. Planta o que nunca imaginaste poderes plantar.
- Já te disse. Para quê e para onde?
- Para viveres e seres feliz no tempo que o tempo te está a dar.
Levantou-se, abriu a persiana, abriu a janela, deixou a mão molhar-se. E decidiu plantar um livro, depois um disco, mais tarde uma árvore e no fim a própria vida. Diz quem o conheceu, que todos lhe recorriam para salvar as suas plantas, tornou-se curador de plantas. Mesmo em dias de chuva e sem sair de casa.