terça-feira, março 31, 2020

AS MÃES NÃO MORREM, NÃO DEVIAM MORRER!



Morreu-me a minha Margarida. Deixei de ser filho. O mundo avança à minha volta, apetece-me perguntar: como se atreve a continuar, se a Margarida morreu? E continua, e continuará a girar, porque a todos os momentos morrem Margaridas, e porque a minha respiração não se alimenta de intervalos, e porque a vida é mesmo assim, morre-se e continua-se, morre-se e continua-se, repetidamente. Porque o que de mim morreu com ela, dará lugar a outros nascimentos. A minha doce amiga Marta disse-me que estar triste também é uma homenagem... quero acreditar. Viver o luto e este isolamento, é das experiências mais desconcertantes, introspetivas e reveladoras da minha vida, mas a vida vai-nos amansando a dor. A vida destes dias é mesmo isto, adoecem, morrem, e nós temos de continuar, nós os que ainda não padecemos, achando que ainda está longe de nos bater à porta. Deixo-vos o texto que escrevi para o funeral da minha Margarida. Porque sou escritor, e fui filho, e este não é um sentimento só meu.


A minha mãe teve o melhor nome que a vida lhe poderia dar, Margarida. As margaridas são flores simples, e com rosto feliz. Na entrada da nossa casa a minha mãe plantou margaridas, eram as melhores boas vindas a quem entrava. Sou o filho mais novo da minha mãe Margarida, tive a sorte de ter uma mãe madura na vida, experiente no sentimento, tive-a perto de mim durante 44 anos, que bênção. Somos 5 filhos, tivemos a felicidade de sermos amados por uma mulher que foi professora, ainda há alunos que a chamam de professora, costureira, agricultora, dona de casa, uma cozinheira de mão cheia, apicultora, mulher e mãe. Sempre mãe. Cheia de vidas.

Amava rir, lembro as gargalhadas que dava, fechava os olhos de tanto rir. Não fosse ela nome de flor, era uma apaixonada por flores, e como ficava triste quando alguma lhe morria. Flores do campo, orquídeas, estrelícias, avencas, suculentas, rosas, catos e próteas. O meu pai bem que lhe pedia para fazer no jardim uma horta, mas nunca conseguiu tirar-lhe o lugar das flores. Tivemos um cato que viveu mais de 20 anos, era regado com amor, em doses suaves.  Gostava de poesia simples, de música serena, de pessoas que falassem baixo, nunca gostou de gritaria e confusões da vida. Era uma mulher da terra apaixonada pela praia, os melhores verões eram os que íamos os 2 de bicicleta até beijar o mar. Ainda há pouco tempo me dizia: as ondas são um mistério tão grande. E perdia-se a olhar para elas. A praia agora é menos praia porque a Margarida não está lá para olhar o mar.

A minha mãe, era uma mulher simples, e sabemos tão bem como é difícil e sábio, ser-se simples num mundo tão complicado. O meu amigo Nelson ensinou-me que uma mãe não morre. Ainda não aprendi bem esta lição, mas sendo assim, até já mãe Margarida, doce Guidinha, como lhe chamavam quem lhe conhecia o coração. Obrigado, por tanto amor, serenidade, resistência, humildade, sabedoria e paz. Até já, mãe.

sábado, março 21, 2020

E QUANDO A PANDEMIA PASSAR?







Quando passar esta pandemia vamos perguntar-nos se ficamos na mesma. Como cidadãos, maridos e mulheres, filhos, trabalhadores, artistas, empreendedores, cuidadores, clínicos. Se o limão apanhado no jardim terá o mesmo sabor? Se a saída à praia vai ter a mesma intensidade, se o abraço vai saber a gesto ou a músculo? Iremos perguntar o que realmente importa? Quem realmente importa? Para que é que, realmente, nos importamos?

Ou, somos todos de memória curta, e só muda no primeiro mês? É o mais provável. Exceto se nos morrerem com este vírus, vamos esquecer. Acho que é o que vai acontecer, a não ser que nos mordam, esquecemos sempre que os animais podem ser violentos.
Dar a mão vai ter mais pele do que emoção? Será? Vamos prevenir mais do que remediar? Acho que não, mas gostava que sim. Precisamos muito de colocar no topo da lista as pequenas coisas, diminuir nas listas de compras e ler mais poemas, romances, livros. Precisamos de viver mais a casa, a mesa, a cama, quem nos faz família. Precisamos do silêncio. Sem raivas de barulho. Precisamos de nos colocarmos inteiros nos sítios, e não a metade.

Na verdade, necessitamos mesmo de parar, dentro da casa para a qual trabalhamos a vida toda, e usufrui-la, acompanhados, sozinhos, sem medos, nus em frente aos nossos espelhos e dizermos: eu sou assim, neste lugar que é meu.
Precisamos de comer peras e de lhes sentir a textura, caminhar descalços na terra, colocar areia na boca e beber água do mar. Precisamos de falar com as árvores e esperar as respostas, que podem tardar. Precisamos de fugir dos lugares comuns, cheios de todos, loucos por preencher cada bocadinho de silêncio e de espaço vazio. Precisamos de rios mais puros, ar mais fresco e limpo, mares mais azuis, como o céu.

Ainda estou a fazer o meu caminho neste desapego do que me distrai, de quem me distrai. Fiel a mim, em nome do amor do que me vai restar quando tudo isto passar.
Saúde, muita saúde para todos.


segunda-feira, março 16, 2020

Um bocadinho de silêncio, em nome da cura



Nunca sentimos tanta falta de abraços, de mãos, de olhares, de colo, de toque da pele com pele. Porque nunca pudemos tão pouco como agora. Ainda há um mês que nos abraçávamos antes do jantar com aquele grupo de amigos e dávamos a mão no concerto, quando acontecia aquela canção. Tudo muda tão rápido. Já viram? E só queremos saúde para poder viver os abraços de novo. E tudo se resume à essência. Não há economia sem pessoas. Não há empregos sem pessoas, nem fronteiras, nem hotéis e restaurantes.
A humanidade precisa de humanismo para se cumprir. Precisa do amor da tolerância, da consciência que ao dividir tudo chega para todos; a humanidade precisa de atenção, de compaixão, de humildade, de silêncio. A humanidade precisa de gente que se cale porque estamos fartos da sabedoria saloia. Calem-se um pouco. Deixem a vida acontecer e contar ela a história. Não estamos em época de grandes risos e festarolas, o mundo luta contra a morte, nós fugimos da morte, da nossa e daqueles que amamos. Temos medo que não chegue para todos, que não chegue para nós, e para os que amamos. Então? Porquê os risos forçados, aturar os comentadores que até aqui desacreditavam os dias que vivemos? Eu não quero fatalistas, mas também não quero os falsos da esperança que vociferam umas palavras cheias de clichés para ficarem bem na fotografia, de um dia que não sabemos se será melhor que o de amanhã. Calem-se, só um bocadinho. As televisões, as rádios, a internet, todos falam demais. Precisamos de serenidade, e não de camuflar a verdade com uma alegria tonta. Ouçam música, leiam poesia e romances, aproveitem o sol na pele, os rebentos das árvores, o vento que nos entra pela janela. Olhem para aqueles que amam. Plantem flores em vasos novos, e calem-se um bocadinho. O mundo, a humanidade, precisa de silêncio para se sarar e concentrar na cura. Haveremos de voltar aos abraços. Vão ver. Mas para já, recolhamo-nos, porque o mundo não está para solenidades e cortesias.


Resguardem-se e confiem. Estejam atentos a quem vive perto de vocês e cultivem o silêncio da confiança.


Hélder