Que nome dão a cada coisa da vossa casa? São só coisas, ou são a memória que se aviva, a energia de um tempo passado? Esta chaleira da fotografia, era onde a minha mãe fazia o café da manhã, durante uns bons 40 anos. Há tempos ela decidiu desfazer-se dela, quando eu soube, corri para o lixo e só parei quando a encontrei, perdida entre restos de vidas. Lá estava ela, a cafeteira que me ensinou o sentido das manhãs, do acordar cedo, do café delicado e rigorosamente medido, com amor e cevada! Como posso eu olhar para este objecto e chamar-lhe chaleira?! Não, esta chaleira é a manhã ensinada pela minha mãe, a vontade dilacerante de começar os dias, vencer dores e problemas, sorrir para os primeiros raios de sol.
Sou teólogo de formação e academicamente jornalista. Ou seja, a fé inundou-me o conhecimento, e a inquietação da duvida e da curiosidade enchem-me os dias. Nunca embalei nas energias das pessoas, muito menos na dos objectos. A única energia que o mundo se me apresentava era a de Deus e da Fé. As voltas da vida. Hoje, a minha fé no divino multiplica-se pela energia radiante, ou não, de algumas pessoas, e rodeio-me de objectos que espicacem a corrente positiva da vida; objectos que me falem directamente à mente e ao coração, me despertem boas memórias e com elas boas vibrações, mesmo de um passado que nunca regressa ao ponto de partida, mas que me foi fascinante, num determinado dia e lugar. A espiritualidade tão metafisica que me ensinaram na teologia clássica, converteu-se também em poemas, fotografias, quadros, músicas, rendas, móveis, roupa, livros, e esta chaleira. Cada uma das minhas coisas só tem sentido na minha cronologia espiritual e carnal, e são essas coisas que me alimentam o maior dos meus segredos e tesouros, a memória. E se Deus nos fala ao subconsciente, as coisas de amor falam-me à memória.
Por isso as coisas que têm historia, têm também espiritualidade, porque não pode haver transcendente sem haver objectos que reflictam o que a mente quer conhecer. Uma casa não é acolhedora pelo que compramos para a encher, mas pelas coisas que ela tem de espiritual e de memória. As coisas da nossa vida e que só fazem sentido na nossa mesma vida. Falam de nós. E sim... já entrei em casas belissimamente decoradas e soaram-me a vazia e geladas, algo falhou na ordem das coisas. Podemos comprar tudo, menos as coisas que reflictam memórias energéticas de momentos felizes e únicos. Honestamente, até podem ser momentos menos felizes, sabemos que de tristeza também nos erguemos.
Sophia de Mello Breyner, escreveu em 1972 o magnânimo livro: O nome das coisas. Com ele aprendi a importância da Grécia, dos deuses, do trigo, da solidão, da revolução, dos retratos e dos museus. Ela nomeou espiritualmente as suas coisas. E eu só a percebi 20 anos depois de a começar a ler. As coisas têm um nome que vai para além do próprio nome, e sem elas vem a maior das solidões.
CORTARAM OS TRIGOS. AGORA
A MINHA SOLIDÃO VÊ-SE MELHOR
SophiaM.B. Andresen in O nome das Coisas
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