terça-feira, dezembro 17, 2019

A VIDA É UM DETALHE



A vida é um detalhe, escrevi esta mensagem a uma amiga e ela, no mesmo segundo escreveu-me o mesmo. SMS, na verdade. Já vos aconteceu, certamente, mas isto só acontece aos certos no mesmo caminho. Não, necessariamente, com as mesmas opiniões, seria uma vida melada em tarde de verão. Curiosamente, a mesma amiga deu-me a melhor simbologia da liberdade, uma planta a furar uma gaiola. Caramba, que bela imagem para quem se quer aventurar no Ser livre, torna-te o mais parecido com uma planta!
Até a liberdade precisa de ser livre, tal como a verdade, caso contrário transforma-se numa conveniência e a conveniência é tudo menos livre e verdadeira, é um jeito que se dá a este e àquele, ou até a nós mesmos.
Fica aqui a sugestão para todos os que ousam ser livres, de dentro para fora.
Obrigado, Cristina, eternamente obrigado! Gosto de ti, livremente.

Hélder


sexta-feira, dezembro 13, 2019

O ABORRECIMENTO DA SOLIDARIEDADE NATALÍCIA



                                                                                      fotografia J.P.F.

O Natal tem tanto de inspirador, meigo, acolhedor, luminoso, como de enjoativo, despropositado e teatral. Não estou a falar da saturação de mesas cheias, quando nem metade se come, e de famílias que jantam em plena paz armada e que basta um dizer que o bacalhau está salgado para se começar a discussão sobre tudo o que estava entalado!

Falo da solidariedade "nataleira". Li um artigo de psicologia que diz:  

“o mecanismo de doação" motiva e mobiliza as pessoas de forma subjetiva a materializarem suas dores, penas, amores, sentimentos diversos que vêm à tona, em forma de Caridade.
Além disso, estudos baseados em neuroimagem e neuroquímica cerebral observam maior funcionamento de certas áreas do cérebro e maior libertação de neurotransmissores específicos quando as pessoas estão envolvidas com sentimentos de cooperação, bondade, altruísmo”
Finalmente percebi. A massa social ajuda porque anda cheia de peso na consciência e pensa que num dia a coisa se resolve e já pode começar o novo ano com a tranquilidade de voltarem a ser uns sacanas que acham que meio mundo está contra eles, que a malta que precisa de ajuda são uns trastes à procura de subsídios e que se as pessoas estão mal é porque fizeram por isso.
Na verdade, todos nós vivemos a iminência de um dia a vida nos meter na rua, numa loucura de solidão e desespero, porque a vida não é meiga para ninguém. Ser solidário é um exercício diário, que deve ser discreto, perseverante, humilde, constante, atento, abdicado e muito, mas muito genuíno. Todos temos um lado mais luminoso, e quanto mais luz dermos, mas o nosso rosto de iluminará.
Se mais vale ajudar uma vez, nem que seja só pelo Natal, do que nenhuma vez? Eu acho que mais vale estar quieto e num dos desejos do próximo ano incluir ser solidário, assiduamente.






quarta-feira, novembro 27, 2019

NEM TODOS OS DIAS SÃO FELIZES



                                                                                                        fotografia J.P.F

A vida não é sempre feliz. Os dias do agora pedem-nos uma felicidade constante, exuberante, contagiante e por aí fora. Mas a verdade é que nem sempre a felicidade tem lugar no nosso coração. Hoje uma mãe abraçou-me em lágrimas porque o filho morreu na idade de ainda fazer nascer sonhos, e não de os morrer. Dizia-me que o normal seria ela morrer e ele viver para falar das memórias dela, e não contrário. Eu só a consegui abraçar e pedir desculpa por não saber dizer nada perante tamanha dor. A mulher, no seu rosto de profundo luto, disse-me que não há nada para dizer, a vida tem de continuar, mas não sabe como. Não faço ideia da dor que é uma tal inversão do ciclo da vida, uma mãe órfã do filho único. Inexplicavelmente triste.

Vim embora, fazer a minha vida. Porque esta é a mais cruel das realidades. As pessoas que nos rodeiam adoecem, morrem, enviúvam, separam-se, perdem-se, e nós continuamos a nossa vida. Porque tem de ser. Porque é a nossa vida. E porque, em bom da verdade, a nossa vida pode continuar. Sorte a nossa. A morte é transformadora. Ainda não sei se para melhor. Quem nos morrer deixa em nós o lugar vazio, e esta é a pior resposta para a vida, para o diálogo, para o abraço, para o amor. Um lugar vazio de nada. Uma não resposta a qualquer pergunta. Fica-nos o que fomos quando éramos vidas antes da morte, fica-nos os momentos que agora serão todos diferentes, as datas de aniversário, as visitas, as gargalhadas, os vícios, os hábitos. Todos os momentos nos recordam quem foi, simplesmente foi. E tudo nos lembra a falta, e como seria diferente se ela ainda aqui estivesse, se ele ainda aqui me abraçasse. As fotografias resgatam os momentos antigos e temos raiva de não ser aquela fotografia que mantém aquela presença, tão perto da realidade que custa acreditar que já não é assim Viveremos para sempre com a ausência, e isto é uma dor cortante, escura, sombria, onde a luz tem muita vergonha de entrar.

Um abraço a todos a quem lhes morreu uma parte da vida.

terça-feira, novembro 19, 2019

VIAGEM. MESMO SEM DINHEIRO



                                                                                                                   HABANA.HR


Tirei esta fotografia em Habana. Confesso, é dos meus países de eleição. A musicalidade, a cor, a autenticidade do seu povo, a resiliência, a história. Não temos outra forma de conhecer um país, a não ser ir. 

Viveria sem muitas das coisas que o meu dinheiro compra, mas dificilmente viveria sem viajar. E a minha jornada ainda agora começou. Caro? Pode ser, depende sempre de como viajas, com quem viajas, e das opções que fazes durante o ano. Mas não precisas de dinheiro para te perderes nas ruas de um país, ires fotografando, olhares a vida das outras vidas, entrares numa mercearia, comer na rua, passear em todas as horas da luz e da lua, procurar as ofertas gratuitas... ires, o melhor verbo para o viajante.

Afonso Cruz tem um livro imperdível sobre viagens, JALAM JALAM, um hino a todo o que se inquieta por novas culturas, detalhes de civilização, cultura da simplicidade fora de portas.
 É pela ferida que entra a luz, é um dos textos. Não pode haver verdade mais absoluta para quem quer curar as feridas da vida, e encontra o remédio numa viagem.

Podemos ser tudo o que quisermos, mas seremos sempre menos se nos deixarmos no comodismo de não ir. É só fazer as devidas opções. Para quem tiver a sorte de poder, ou querer, optar, claro. O regresso de uma viagem nunca nos traz iguais, confesso, já sou muitas vezes diferente daquilo que fui, e raramente volto para trás.

Boas viagens

Hélder


segunda-feira, novembro 04, 2019

SAÚDE, MUITA SAÚDE


                                                                                                  imagem J.P.Freitas

Há alguns anos, sem premeditar, comecei a despedir-me em televisão, e numa vida mais real, com os votos de saúde. É no que acredito, e no que de melhor posso desejar a quem cumprimento, me despeço, ou me vê pelo televisor.

A vida é sempre cheia de planos, estratégias, agendas, sucessos, fracassos, amigos e inimigos, dores de cabeça ao deitar com tanto que ficou por fazer, mas quando a saúde nos falha parece que o nosso corpo ganha uma dimensão extra, sem o qual a vida não marcha; e é mesmo assim. Sem saúde a vida emperra, o amor murcha, as guerras esfumam-se, os planos ficam em páginas em branco. 

A vida tem sido muito generosa comigo, a saúde tem-me agraciado com afáveis dias. Bons sorrisos. Procuro espremer o meu tempo ao essencial. O meu essencial é saúde, amor, paz e trabalho. Por esta ordem, precisamente, sem tirar nem por. Esta é a minha lista de felicidade. Não preciso me confrontar mais com o que a privação de ter um corpo saudável provoca na vida; por isso deixei de ter tantos problemas, e de combater qualquer expectativa e ansiedade, só pelo simples facto de estar a conseguir reduzir a minha vida ao que defini como essencial. E sorrir, sorrir de dentro para fora.

Saúde, desejo-vos muita saúde


Hélder

segunda-feira, outubro 14, 2019

Sobre a vida




A vida não é leve.
É intensa
Analítica
Indefinida.
Na verdade, a vida também é suave.
Branda
Transparente
Fresca.
A vida, é mutante.
Nós somos inconstantes.
Progredimos
Regredimos.
Somos o melhor rosto que a vida conseguiu.
E sabemos que nem sempre conseguimos o melhor que queremos.

HR

terça-feira, outubro 08, 2019

DESPIDO DE SOLTEIRO

Não é gralha no título. É mesmo despir, tirar a roupa, nuzinho da silva. E quero com isto chegar às despedidas de solteiro. Admito, o despir era só uma tentativa de chamar a atenção e de ser provocante para o que acontece nestas noites de adeus ao solteiro. Por muito que me tentem explicar, não consigo perceber, e sou quase tão intolerante como à lactose. Pensem comigo. Um casamento é uma coisa boa, para quem o quer. Certo? A vida antes do casamento também não será um inferno; pois posto este cenário, qual é o sentido da despedida? Mas vai o noivo e a noiva para uma vida assim tão horrível que exija uma despedida para um nunca mais voltar? Pois que não se casem. 

De grosso modo, a malta junta-se para fazer numa noite, ou em várias, o que se faz em toda uma vida de solteiro, estoura os cartuchos todos, pois a arma nunca mais se vai carregar. 
Despem-se de preconceitos, bebe-se bastante, e aqui vai o noivo e a noiva, com respectivas comitivas, serem malucos e marotos, porque depois do casamento vestem-se de gente séria e não há cá borgas para ninguém. Eu, até acho que este comportamento remontará a algures numa história bastante arcaica. E levante a mão quem, em nenhum momento do casamento estonteante, não pensa: é pá, já chegava, não? Estou farto do fato, os sapatos são apertados, ... bem me parecia que este vestido era pequeno para mim! Vamos comer o bolo e seguimos para casa, porque eles querem estar sozinhos. Não?

Mais engraçado ainda é que depois da despedida louca de solteiro há a grandiosa festa do casamento.  Onde toda a gente está vestida de gala, porque a ocasião o dita, e porque os noivos vão entrar numa vida a dois, coisa nunca antes experimentada. Então em que ficamos? Ou será também o casamento uma continuação da despedida de solteiro, mas sem stripers, gritos e cenas maradas ( linguarejar cool) ? Ou o casamento, por ser uma festa maior, vem dizer que afinal de contas a despedida de solteiro era só o aperitivo da grandiosa festa que será o casamento e todo o seu fogo de artifício? E já agora, sem os artifícios da outra festa, a de solteiro. Não sei, nem a mim me convence a teoria. 

Eu não acho que o casamento exija despedida de nada, e mesmo o dia de casamento não me parece um momento de tanta gala, croquete, fotografia, vídeos e mais de mil ideias que na verdade alimentam a máquina monetária do matrimónio. E quantos noivos saem falidos para o recomeço de uma vida a dois que já vai nascer torta e endividada. É tudo um excesso, quando o que importa mesmo é a celebração do amor, entre os dois e que em casa a vida deles seja uma festa, solene, serena, digna e harmoniosa. Acreditem, para isto não é preciso tanto planeamento. Tudo o resto são brilhantinas que se colocam para disfarçar os nervos e outros receios. Bom, bom, é fazer festa todos os dias, e sem tanto alarido!

quinta-feira, setembro 26, 2019

60 anos de amor?



Ora viva

Há dias parei para falar com um casal de vizinhos. Ele 83. Ela 91. Casados há 65 anos. Passeiam-se de mão dada. Gostam de ir juntos ao café e passearem-se, sem tempo, pelas ruas onde sempre se fizeram.

De que falarão? Como se amarão? Em conversa, descobri que falam deles, das flores que esperam nascer, do cão que tem de se vacinar, dos planos para o jantar. Descobri que se riem um do outro habitados na sua velhice. E o amor? O amor é isto, Sr Hélder. O amor é o tempo dos dias. Disse-me ele.

Deram as mãos e foram ao seu tempo, eu já lhes tinha roubado minutos que chegue. Deve ser isso, o amor dos 60 anos gosta de flores e fruta da época. Gosta de passeios lentos e mãos dadas. Não gosta de muitas perguntas por segredos e conversa fiada. Gosta de sorrir mais do que cara séria, deve ser isto a reconciliação.

Não sei nada do futuro. Provavelmente não será muito mais interessante do que comer só a fruta da época. Porque amanhã o tempo a pode estragar, tal como  pode arruinar os meus meticulosos planos para o futuro.


  • Até amanhã 

segunda-feira, setembro 16, 2019

REJUVENESCER AOS MEUS 44





Aos 44 anos decidi rejuvenescer-me. Sem cirurgias, sem aditivos, corantes nem conservantes. Decidi comer mais verdes do que carnes e peixes, escolhi os desportos que os meus médicos dizem ser os que o meu corpo gosta. Comecei a meditar. Aprendi a gostar de dormir. Cultivei o gostar de não fazer nada. Faço massagens terapêuticas regularmente. Como mais biológico. E em casa o açúcar desapareceu. Deixei de amamentar o stress. Proponho-me a experimentar o que nunca fiz.

Estas são as coisas de mim para mim. Aconteceu um sem número de outras coisas fora de mim, sobre as quais tive grande influência. Mas resume-se a não cultivar a expectativa. O que é ótimo para uma harmonia física, mental e emocional.

Acredito estar a meio da minha vida, e é o tempo certo para decidir ter mais tempo para mim. O meu mestre espiritual ensinou a minha mente e corpo a serem a base e o topo da minha pirâmide existencial, de modo a que tudo o resto funcione na perfeição.
Em breve mostrarei os resultados, os mais visíveis, claro.
Um abraço, e muita saúde. A vida é a mais excitante e estrondosa viagem que faremos.

Hélder

quarta-feira, julho 31, 2019

DESCONFIA DOS AMIGOS DE TODA A GENTE







Desconfia sempre de quem é amigo de toda a gente. Estas são das palavras mais marcantes que ouvi da boca da minha avó. Demorei a perceber-lhe o sentido, é natural, era muito miúdo, e precisamos de tempo para o entendimento. A história da humanidade revela-nos nomes de gente grandiosa e que, por acreditar em causas e ideologias, nunca foi amigo de toda a gente, bem pelo contrário. Luther King, Gandhi, Madre Teresa, Jesus, Dandara dos Palmares, Confúcio, Nelson Mandela, Simone de Beauvoir, Wangari Muta Maathai, Florence NightingalePessoas que mudaram o mundo, … e o que tem a ver connosco? Tudo.

 Não mudamos o mundo, mas mudamos a nossa circunstância, e por ventura a realidade que nos acolhe. Estatisticamente, um homem consegue reunir 6 amigos ao longo da vida. Vamos espremer a amizade, como limões, e o que vai ficar serão os tais 6, ou menos. Porque há limões que são só casca e outros que apodrecem. Não sou eu quem diz, mas… confirmo.
Não há mal nenhum em desconfiar. Não há mal algum é confiar. Mas torna-se um problema quando o confiar desmerece-se. Não se vive no céu e no inferno. Não se ama quem nos apodrece. A perfeição vive longe da humanidade. A inconveniência é um outro rosto da verdade e que, "impossivelmente", é conciliável com toda a gente. 

Os amigos de toda a gente, rapidamente se transformam em amigos de ninguém. É gente que não dá ponto sem nó. Quando? Na hora da verdade.

Sim, eu já fui um dos amigos de toda a gente. Aprendemos com os nossos piores erros e as nossas maiores dores para o caminho da felicidade.

Até breve

HR

sábado, julho 13, 2019

APANHADOS NA REDE





Ora viva



Se não estás na rede... não existes. Será? Falo de redes sociais. Já percebeu. Têm-me dito abundantemente. É um pouco triste que, se não fotografas... não viste. Não foste. Não és do grupo. Eu tenho para mim, na minha feliz existência, que o melhor guardo para mim. Andar na rede é rolar na feira... muitas vezes do faz de conta. 


Fazer de conta que vivemos bem, que somos felizes. Até podemos ser. Mas se não o partilharmos seremos menos alegres Na vida? E o que nos tem levado em mostrar as nossas alegrias? Eu... nem por isso. Para vos ser franco. Uma outra circunstância desta onda de redes que me irrita são... os mirones. Os que não partilham nada da sua vida, mas adoram saber da vida dos outros. Estranho não é? Também acho. Tal como acho estranho crianças com conta nas redes e aplaudidos pelos pais. Não façam isso... as crianças e jovens têm de experimentar o mar e a serra, os museus e a aventura, o desporto e o sossego. A vida lá lhes trará as redes... inevitavelmente.


Na verdade, por vezes nem é o que fotografamos, é o que dizemos da fotografia. Eu sei, há os compromissos comerciais, quem viva desta apanha, eu sei bem. Mas são mais inteligentes do que eu e sabem onde eu quero chegar!! Na verdade, há uma espécie de comercio sentimental nesta onde da partilha e like or not!!

Eu vaticino uma morte lenta das redes. Ser ou não ser continua a ser a questão.  E não somos nas redes, dizemos só o que somos e o que queremos que os outros achem de nós. Na verdade, tentamos moldar opiniões a nosso respeito. É na vida que temos de SER, verdadeiramente. 
Fala-vos um homem que está nas redes. Já fui apanhado nelas... E faço questão de falar em plural, pois incluo -me neste texto; mas, orgulhosamente, ando a excluir-me da rede, sou um carapau velho no mar. :)  Ando a furá-las na inconveniência da verdade e do não apetecer. Um dia dá-se o meu apagão online! Depois dos 40 já só somos nós e pelo caminho ficam os excessos. Acreditem.

No final do texto, cada um sabe de si. Claro!!

Abraço

Hélder

quarta-feira, junho 26, 2019

ACORDA




Olha para o teu corpo
Desperta-lhe os trigais e a fruta madura
Envolve-te de sol poente e nascente
Vibra.
Deixa a tua mente esquecida e acorda-te.
Por dentro. Na carne. Na alma. Dentro da pele.
Nunca o tempo te será tão útil.

   HR

segunda-feira, junho 03, 2019

MÁ LÍNGUA. LÍNGUA BOA








A língua é um órgão sensorial e muscular com esqueleto ósteo fibroso. Tem 17 músculos e nunca se cansam porque são músculos voluntários e são os mais fortes do nosso corpo. Tem 10 centímetros e é a parte humana que mais rapidamente se cura. 3 mil papilas gustativas e a língua dos homens é maior que a das mulheres, e aqui para tudo! Tamanhos à parte, há línguas tão compridas que se assemelham a um livro aberto onde todos podem escrever, uma Wikipédia corporal!! 

Não sei se sentem isso na roda da vossa vida, mas eu vivo cercado de má língua. Todos sabem mais que os outros, por isso os outros são isto e aquilo. Os outros são mais ricos, pois, se eu tivesse feito isto e conhecido aquele ou aquele outro também eu seria. Ahhh gosto muito dele, é um amor, mas… e aí vai disto. São todos mais profissionais do que o profissional do qual estão a lançar o seu brando o inocente veneno. Os outros isto, os outros aquilo, os outros mais não sei o quê. Há sempre os extremos, os que passam a vida a falar dos outros e aqueles que se consideram tanto, mas tanto, que passam a vida a falar deles próprios, citando-se a eles mesmos, entre rasgados auto elogios, cobertos por uma fina camada de humildade, como um delicado glace de açúcar, mas em vez do doce, fel, muito fel. Pela boca jorra a água e a palavra. Pois, nem sei por onde escolher. Fico-me pelas estratégias que apresento no finzinho deste texto, mais vale.

A honra é defendida na lei artigo 138 a 140 ( para o caso de precisar), mas até onde vai a desonra que podemos infligir sobre os outros? Aí mora a má língua.
Na idade média havia a trova de escárnio e maldizer, virou estilo literário. Mas caramba, era arte e publicamente se dizia o que ia no ventre do pensamento, o mais público possível. Será que estas línguas contemporâneas também andam a lutar por ser estilo literário e não me dei conta, e estou a passar por grande ignorante ao escrever estas humildes palavras? Ora bolas para mim.

Há muito que nas costas dos outros vejo as minhas, cravadinhas de má língua. É vida. Por isso decidi deixar de alimentar conversas onde o tema seja alguém que não está na conversa. O silêncio é de ouro, acreditem. Óbvio que já embarquei nestas infelizes tacadas de péssima personalidade, e lamento-me por isso. Mas como acredito sempre na mudança, há uns anos decidi mudar de rota.
Estratégias. Bom, a vida dos outros só é interessante se a minha for o desinteresse por completo, por isso, invisto na minha vida. Não é por encher a vida de gente que estou mais acompanhado, por isso, só me acompanham os essenciais à minha felicidade. Curiosamente são cada vez menos…Tenho feito uma espécie de purga social, tem de ser. Há vários preços a pagar com estas estratégias, acreditem, mas na balança das relações, vale bem a pena. Fico mais leve, e leveza nunca fez mal à alma. Mas aos 43 anos sinto que está mais do que na hora. Sou contra o falarem desde que falem, e dispenso que falem cobertos pela falsa misericórdia do “ não é por mal…” Caladinhos, caladinhos é que estão bem os que não têm mais vida do que alguém!!!

Quem não é visto não é falado. Acreditem, vale a pena tentar. Para todos os que não sabem o que fazer com a língua, deixo o link de uma bela música e um ótimo vídeo.





segunda-feira, maio 20, 2019

NÃO HÁ AGRICULTORES TRISTES








Somos natureza. Uns mais respeitadores que outros pela essência, mas vimos e vamos para lá. Nos meus 20 anos de televisão é pouco provável que me falte entrevistar pessoas de determinado sector laboral, e nunca entrevistei um agricultor triste. Acreditem, já entrevistei muita gente de áreas de sucesso, gente de palmarés sociais e que estavam afogados em tristezas. Mas agricultores não, sempre serenos, ponderados e felizes com a vida que fazem. Acertaram o relógio interior com o ciclo da natureza, e aprenderam que nem tudo depende nós, a aprenderam a viver do que a terra dá. Eu sei, nem todos os agricultores vivem este sossego de espírito, nem respeito pelo ciclo da terra, mas são poucos.
Sou, também, um jovem agricultor. Há 4 anos que me dedico às abelhas e sim, estou a operar e a sentir uma grande revolução no meu jeito de ser. A vida é rápida, mas as estações do ano cumprem-se no mesmo tempo, a chuva e o sol, são o que sempre foram e dão o que sempre deram. Eu sei que, infelizmente, a natureza reclama a sua ordem natural, porque nós metemos o nariz onde não eramos chamados.
É… a vida pede ciclos de calma à lareira do inverno, doçuras de primavera, relaxe de verão, reconversões de outono. Basta ouvir-nos com a natureza por perto. Há muita gente feliz com o bater do coração da terra.

quinta-feira, maio 16, 2019

TORRE DE BABEL. STOP.

                                                                                              ÁFRICA.2019


Haveria o sonho de uma torre com nome de Babel, onde a língua era entendida por todos. O Senhor assim não quis, para que o homem fosse diferente e universal, tal como comunicacional. Conta-nos o livro dos Génesis, sobre a torre de Babel e a Babilónia. Vale a pena aprofundar. Agora só lhe quero perguntar, quantas vezes sentiu que falava para uma parede, que nem torre chegava a ser? Quantas vezes usou de toda a sua eloquência e a sua mensagem nem penas nas asas ganhou? Pois é, nem sempre falar é conversar. E há milhões de vezes, tal como as estrelas, em que é muito mais fácil conversar e ser entendido por estranhos do que por conhecidos. Certo?

O problema das múltiplas línguas não é não as sabermos, mas sim não as sentirmos. A palavra que se expressa pode ter carne, músculos e pele. Não há nada de mais fascinante do que comunicar com um cego, um surdo, um estranho estrangeiro. Tudo ganha mais intensidade, força, dimensão. Ganha porque queremos MESMO chegar ao outro. No dia a dia sucede-se a coisa. Chegamos quando queremos e quando não estamos para aí virados, somos tijolos a falar para paredes. Afinal de contas, até sabemos o que é um STOP, mesmo que dentro dele se escrevam outras letras e outras palavras. Basta saber não parar a vontade de comunicar. Ser Babel seria não ter fronteiras, línguas nem identidades. Nem o Senhor quereria, porque antecipou, no princípio do homem, o medo que um mundo global acarreta. A mim, não me metem numa forma.

quarta-feira, maio 08, 2019

ONDE GUARDAS A LIBERDADE?




                                                                                    ano 1998


Há uma liberdade, ou muitas liberdades que cabem na grande e única liberdade? E o que é ser verdadeiramente livre? Podes ser livre preso ao corpo inerte, ou és livre numa mente sem amarras? Somos livre porque nos vestimos como queremos, dizemos o que pensamos, agimos com a vontade, não nos reprimimos, somos sexualmente o que somos e somos gente na plenitude do ser-se? É isto?
E chega-nos? Claro que não. Temos a liberdade, conquistamos a liberdade, ou vai-se adquirindo liberdade com o tempo? Nascemos livres, ou condicionados logo à nascença? E onde, onde é que nos sentimos verdadeiramente livres? Dentro ou fora de nós?

Eu sou um pensador assumido. Fraco filósofo, mas dou tempo ao pensamento... E estas questões batem-me à porta dezenas de vezes ao dia. Não tenho respostas para quase todas. Mas exercito a minha liberdade diariamente. Não me contrario na felicidade e na tristeza, deixem-me estar. Não me obrigo a quase nada que não me faça bem. Não estou com quem não gosto, sempre que posso escolher. Faço o que me apetece fora das conveniências. Sim… ando no caminho da liberdade. Honestamente, acho que há uma liberdade, a maior de todas, que se chama maturidade. Infelizmente com a adultez vem os desprendimentos do que até era agradável, mas não me fazia bem. Vem o luto. Vem uma série de dores. Não acho nada que a vida seja sofrimento, mas acho que, claramente, há uma dose de sofrimento inerente ao ser-se maduro, por conseguinte, ao ser-se livre. Tudo, mas tudo, é um exercício. Acredito profundamente. Nós podemos ser tudo, na dose do bom, na dose do mau. A liberdade é um grande e pleno exercício. Usufruir dos direitos à liberdade, pede de nós a maior das provas, a mais inteira das responsabilidades e seriedade. Não há pessoas sérias que não sejam livres. Não há pessoas imaturas livres.
Onde somos livres? Eu, definitivamente, na praia.

Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade
.
Sophia de Mello Breyner Andresen


PS As fotografias foram tiradas na minha praia, a de Esmoriz. ano de 1998. Pelo meu amigo Juca. Numa das fases mais negras da minha vida. E sim, a praia fez-me sorrir e recomeçar-me. E sim, o cabelo estava horrível!! :))))))

quinta-feira, abril 25, 2019

HÉLDER, JÁ NÃO ÉS QUEM ERAS !




Na verdade, não sou nada quem era. Porque criei uma opinião que, orgulhosamente, não é sempre a conveniente, porque penso no que digo e quando pertinente, digo; expresso-me, porque vejo e retenho, porque ouço e destrinço. Porque não alimento verdades que servem interesses.

 Pobres aqueles que não sabem o valor dos olhos, da boca, das mãos livres, dos ouvidos astutos. Antes deste saber dos meus sentidos, recolhia-me dentro de mim, com um certo medo da afirmação. Mas caramba, que medo pode haver em ser fiel a mim e não andar ao sabor da opinião dos outros, como bailarina de vontadinhas que não as nossas? A sociedade, a família, os amigos, os colegas, têm uma certa habilidade em nos esmagar o eu, e só nós podemos salvar a nossa identidade. Só nós.

A vida exige atenção, a atenção pressupõe mudança, e quem não nos acompanha fica pelo caminho, aquele caminho que visualizamos para a nossa vida, e tantas vezes o retratamos em belas fotografias, selfies incríveis e frases feitas, ditas por outros. Não acredito em caminhos solitários, mas também sei que deixamos no passado quem não nos acrescenta para futuro. Sei bem do que falo. E estou certo que quem me lê também já sentiu este desapego para a demanda do avançar caminho!

A vida das pessoas livres não é fácil, mas é tão mais intensa, sedutora, perfumada, rasgada, autónoma, descalça, serena, revolta, levantada, independente.

Tenho 43 anos. Nunca usei tão bem da razão livre dos meus sentidos, da minha inteligência emocional, como agora. Esta liberdade não tem preço. Não vale a pena taparem-nos os sentidos com fitas coloridas ou camufladas de bondade e inocência. quem tentar abafar-nos a existência é como que um assassino de carácter. Matar um carácter é um crime indefensável no tribunal que julga as almas pesadas de culpa e de falsa moralidade. Nem todo o ladrão que rouba para comer, deixa de ser ladrão por ter fome.

Natália Correia escreveu tão bem: Não há revolta no homem que se revolta calçado. Tenho a sorte de desde muito cedo gostar de andar descalço; agora percebo porquê!

António Variações deixa nesta canção uma bela lição!


Divirtam-se.

sexta-feira, abril 12, 2019

AMOR DE ALECRIM






Com o risco do excesso, não vivo sem alecrim. É um arbusto, abunda em Portugal, gosta de lugares secos, e se o tempo for quentinho, dá flor todo o ano. A medicina e a farmacêutica gostam do seu uso. Das flores do alecrim retira-se uma água destilada que se chama: água da rainha da Hungria, sorte da rainha que desta água faz uso. A flor é singela e de um azul apaixonante. Uso a flor na minha cozinha, o alecrim nas minhas infusões, nas batatas assadas, no pão torrado com azeite; coloco-o na mesa, para receber visitas, e ofereço-o sempre a quem mais gosto. Um vaso de alecrim, é o amor plantado. Os romanos faziam coroas de alecrim e com elas celebravam divindades. Para o cristão é símbolo de fidelidade. Para mim, é a melhor expressão da festa.

O alecrim serve a dor e a alegria. Nos países nórdicos, os caixões são cobertos de alecrim. Acredito que para perfumar e perpetuar a vida. Eu uso-o sempre para celebrar. Há um provérbio que nos diz. Quem pelo alecrim passou e dele não colheu, ou nunca teve amor, ou dele se esqueceu. Eu tenho uns 10 alecrins em casa, e quando na rua passo por um, apanho sempre um raminho. Enquanto lhe escrevo, bebo uma infusão perfumada de alecrim. Tenha alecrim perto de si, porque rapidamente se vai aperceber que aos molhos, só mesmo os de uma vida boa!

até já

quinta-feira, abril 04, 2019

OS LIMÕES DESTA VIDA!!






Quando olho para um limoeiro olho para um lugar perto da perfeição. Frutos que me fazem lembrar o verão de todos os anos, um aroma a liberdade, a perfeição na cor. Apanhar um limão é a soberania da vontade própria. Afinal é fácil ser soberano de nós mesmos. Não que o limão seja o tesouro que nasce nas árvores, mas é a melhor personificação que tenho do tempo. O meu tempo de infância, quando fazia limões espremidos na água fresca do poço; o meu tempo de espera para que o limão ganhe a cor certa para ser colhido, o tempo de o descascar, espremer, para usar à volta de uma mesa.

Limão e solidão rimam, provavelmente andam juntos, neste movimento animal da existência. Honestamente, casam-se bem. Precisamos de limão para uma boa limonada, e de solidão para o crescimento. Não há outro remédio para a maturidade, uma boa dose de solidão. Olhar para a janela, perder-se nas paredes de casa, viver no horizonte mais infinito que avistamos da varanda. Incomodarmo-nos com os nossos pensamentos até que eles sejam pronunciados. Confrontar a ideia. Chegar perto de um limoeiro e apanhar um cesto de solidão, e só depois fazer com ela a vida, como se fosse limonada, como se tudo fosse um solene limão. Da mão ao pensamento, da boca ao sumo, do corpo à inteligência.



Arranjo gráfico David Reis

segunda-feira, março 25, 2019

DÁS AS MÃOS OU QUE TENS NAS MÃOS?




- O que fica quando dás?
- Ficam as mãos.
- Mas se dás as mãos com que mãos voltas a dar?
- As mãos voltam a crescer, para darem de novo.
- Portanto, o que dás não é o que está nas mãos?
- Não, isso é só para embelezar, o que dou são, mesmo, as minhas mãos. Mas como estão velhas, coloco-lhe sempre coisas bonitas. As pessoas precisam de coisas bonitas para animar os dias.
- E as mãos que dás nunca te fizeram falta?
- Às vezes fazem, e peço umas a quem gosto.
- E nunca deste à pessoa errada, ou que não merece?
- Isso já não é da minha responsabilidade. Eu dou. Depois, não depende das minhas mãos; isso já compete às mãos que recebem, o saber receber. Não basta precisar...
- Está bem, e se não precisarem, nem souberem?
- Provavelmente deixarão de receber. Ou não. Enquanto se dá não se pensa em mais nada
- E deram-te sempre as mãos?
- Já me aconteceu ficar muito tempo sem mãos. São dias tristes. Mas fica-me a felicidade por ter dado. Quando volto a receber mãos, dou-lhes mais valor, pela ausência que lhes senti, e redobro a vontade de dar, porque nunca sabemos o que não fizermos, nem dissermos.
- Isso é interessante, mas um pouco bizarro. E o que recebes por dar?
- No início queria sempre algo em troca, com o tempo aprendi a esperar que a felicidade chegasse.
- Que felicidade?
- A de dar livremente. Dar o que nos faz falta, o que até queríamos para nós, o que vem do nosso âmago, o que nos esvazia o peito. Dar e só esperar pela felicidade.
- Mas ela pode não vir.
- Muitas vezes não vem, é verdade. Mas estou a aprender a esperar mais. Cada dia mais. Quanto mais souber esperar, mais saberei dar. A espera é a mais sapiente das ciências. Esperar é saber responder, saber respirar, saber cumprir a generosidade, a paciência, a observação. Há um pássaro chamado andorinhão preto e que voa 10 meses seguidos, à procura de um novo destino. Esperar a voar! A forma perfeita de qualquer espécie de espera!!
- Impossível para nós.
- Se só se te achares nesse corpo, sim. Mas se cultivares a profunda dimensão da tua mente, és capaz de conseguir.
- Acho que caia.
- Tens de emagrecer os teus pensamentos, eles são o mais pesado que há em ti.

Legenda da imagem. A minha bota de quando tinha 2/3 anos. Perdida numa arrecadação. Foi-me dada pelo meu pai num dia de primavera e de muita luz. Encontrou-a sem querer, e arrumou-a num lugar à chuva e ao vento, onde eu a via sempre, e não lhe dava grande significado. Esperou que eu percebesse o sentido da bota com a qual aprendi a andar seguro, a fazer caminho. Esperar o momento para dar, e que se perceba o sentido limpo da dádiva!


Tratamento de imagem: David Reis

terça-feira, março 12, 2019

RIR DA BARRIGA AOS OLHOS





Aprendi a sorrir desde muito novo. Aprende-se a rir como se aprende a comer. Não duvide. A minha mãe foi a minha ensinadora. Ria-se tanto. Quando ria, os olhos choravam-lhe de alegria, a boca não se fechava de gargalhadas, era uma festa constante. Ria-se com as brincadeiras dos cães, com os sonhos que lhe saiam muitas vezes um pesadelo. Ria-se quando me via a andar de bicicleta, de tão torto que ia. Ria aquele rir de doer a barriga e fechar os olhos. Que saudades.

O melhor sorriso é o que tem ligação da alma aos olhos. Este não se aprende facilmente. Educa-se. Cultiva-se como as flores. Trata-se como o diafragma na respiração.

Sou de sorriso fácil. Mas rio cada vez da alma para os olhos. A vida ensurdece os nossos sorrisos. Às vezes o sorriso anda em subsistência, certamente já vos aconteceu. Mas há um sorriso que é secreto, sorrir por dentro. É a maior proximidade da paz que eu consigo ter. Esse sim, é uma arma poderosa, indomável, dilacerante, destruidora de cérebros carregados de maldade.

Para culminar a roda gigante e complexa do sorriso; há  a felicidade na tristeza. Aquela mesma que só sente quem a tem; não é essa que nos tira o riso. Os que sabem rir por dentro. Porque felicidade não é alegria, e tristeza não é infelicidade. Fiz-me entender?

Eu cá continuo. Entre dias felizes, sorrisos de ventre e com os olhos a espelhar o que só por dentro se sente.

Até já

sábado, março 09, 2019



Imagina que o barco é o que sobra ti
Navegas no único lugar da sobrevivência
Sem foz de mar
Sem âncora de areia que seja
És tu e os teus braços
Que serão remos
A tua língua será leme
E a tua alma uma corda seca
Agastada pelo sal e pelo sol
Agora só contas tu
Para a tua salvação
Para a tua navegação 

quinta-feira, março 07, 2019

MENDIGAR POR AMOR




                                                                                auto retrato


Mendigar reciprocidade de sentimentos é pisar a alma com um sapato de salto alto. Já pela sua natureza de significado, o verbo mendigar pressupõe uma acção que vai viver da caridade de um segundo ou terceiro elemento da história. Ou seja, sem o outro, essa pessoa nem a quem mendigar tem, portanto irá mendigar-se a si própria, até que a sua vida interior esteja mirrada e consumida pelo monstro de não ter quem. Sim, a frase termina assim, não pense que me esqueci do resto do texto!

Ter quem, é o melhor da vida. Ter quem te ouça, quem te queira, quem goste de fazer sexo contigo, quem te pergunte sobre ti, quem invista na tua carreira, quem te acrescente e te meta no lugar; ter quem de ame com defeitos que sabe que ainda irá conhecer, quem te mime, quem te acompanhe em silêncio, quem te abrace, chore contigo, ria contigo, vibre, te critique, te aumente, qual fermento; ter quem te diga a verdade, seja honesto, não faça fretes contigo, te pergunte se dormiste bem e se o almoço foi bom, quem te olhe para dentro dos olhos, quem te veja em potência e acto, te acredite, te mova e demova, te conheça as frase de conveniência para esconder tristeza, te sinta feliz sem o teres de dizer, te ouça calado, quem te ouça sem falar dela própria à tua terceira palavra, ter quem é quase o melhor da vida. E todos estes quem... não se aplicam só a amigos e amantes. Há tanta gente que nos passa na vida e num destes modos de estar, ficam para a vida toda. E tudo isto é amor ou desamor. Nem mais, nem menos.

Mendigar por qualquer um destes "ter quem", é simplesmente, o maior nojo da nossa existência. A lesma e homem distinguem-se pela coluna, também. Andam curvados os mendigos, e os que nem a quem mendigar têm, quase que tocam com a cabeça no chão. São contorcionistas do desespero.

sexta-feira, março 01, 2019

Deixa-me

Deixa que a minha solidão se veja
Que o meu corpo se mude
Que os olhos se fechem
Deixa-me estar aninhado em mim
Nos cantos todos de mim
Deixa me calado
Sem voz
Sem luz
Sem expressão
Deixa-me mudo e com fome
Deixa-me sem compreensão
Esquecido no meio de uma casa
Não olhes por mim
Nem olhes para mim
Deixa-me estar quieto
Parado de sangue e saliva
Deixa-me nu
Que vestidos andam os cívicos
E eu, hoje, não me pertenço
Nem te pertenço
Deixa-me na raiva e no sossego simultâneo
Deixa-me nesta paz mansa e na guerra que se segue
Deixa-me na minha loucura
Porque loucos somos poucos
E eu já fui muitos.
Deixa-me estar
Por aqui
Ou por sítio nenhum
Para que nem eu me possa encontrar

quarta-feira, fevereiro 20, 2019

O ESPÍRITO DAS COISAS


Que nome dão a cada coisa da vossa casa? São só coisas, ou são a memória que se aviva, a energia de um tempo passado? Esta chaleira da fotografia, era onde a minha mãe fazia o café da manhã, durante uns bons 40 anos. Há tempos ela decidiu desfazer-se dela, quando eu soube, corri para o lixo e só parei quando a encontrei, perdida entre restos de vidas. Lá estava ela, a cafeteira que me ensinou o sentido das manhãs, do acordar cedo, do café delicado e rigorosamente medido, com amor e cevada! Como posso eu olhar para este objecto e chamar-lhe chaleira?! Não, esta chaleira é a manhã ensinada pela minha mãe, a vontade dilacerante de começar os dias, vencer dores e problemas, sorrir para os primeiros raios de sol.

Sou teólogo de formação e academicamente jornalista. Ou seja, a fé inundou-me o conhecimento, e a inquietação da duvida e da curiosidade enchem-me os dias. Nunca embalei nas energias das pessoas, muito menos na dos objectos. A única energia que o mundo se me apresentava era a de Deus e da Fé. As voltas da vida. Hoje, a minha fé no divino multiplica-se pela energia radiante, ou não, de algumas pessoas, e rodeio-me de objectos que espicacem a corrente positiva da vida; objectos que me falem directamente à mente e ao coração, me despertem boas memórias e com elas boas vibrações, mesmo de um passado que nunca regressa ao ponto de partida, mas que me foi fascinante, num determinado dia e lugar. A espiritualidade tão metafisica que me ensinaram na teologia clássica, converteu-se também em poemas, fotografias, quadros, músicas, rendas, móveis, roupa, livros, e esta chaleira. Cada uma das minhas coisas só tem sentido na minha cronologia espiritual e carnal, e são essas coisas que me alimentam o maior dos meus segredos e tesouros, a memória. E se Deus nos fala ao subconsciente, as coisas de amor falam-me à memória. 

Por isso as coisas que têm historia, têm também espiritualidade, porque não pode haver transcendente sem haver objectos que reflictam o que a mente quer conhecer. Uma casa não é acolhedora pelo que compramos para a encher, mas pelas coisas que ela tem de espiritual e de memória. As coisas da nossa vida e que só fazem sentido na nossa mesma vida. Falam de nós. E sim... já entrei em casas belissimamente decoradas e soaram-me a vazia e geladas, algo falhou na ordem das coisas. Podemos comprar tudo, menos as coisas que reflictam memórias energéticas de momentos felizes e únicos. Honestamente, até podem ser momentos menos felizes, sabemos que de tristeza também nos erguemos.

Sophia de Mello Breyner, escreveu em 1972 o magnânimo livro: O nome das coisas. Com ele aprendi a importância da Grécia, dos deuses, do trigo, da solidão, da revolução, dos retratos e dos museus. Ela nomeou espiritualmente as suas coisas. E eu só a percebi 20 anos depois de a começar a ler. As coisas têm um nome que vai para além do próprio nome, e sem elas vem a maior das solidões.


                      CORTARAM OS TRIGOS. AGORA
                      A MINHA SOLIDÃO VÊ-SE MELHOR

                                            SophiaM.B. Andresen in O nome das Coisas

domingo, fevereiro 10, 2019

SOBRE A MÚSICA DE MIM






        

       




A música nasceu na minha vida, quando me apercebi que as palavras podiam ser um som harmonioso, musical. Um poema cantado é das expressões artísticas mais plenas que posso consciencializar.
Estudei canto gregoriano, e aí, ao ler uma pauta, apercebi-me da força de uma sílaba dita com a escala de uma nota, numa sintonia de vozes, cantadas por gente que nem sempre estava em plena harmonia. Cantar uma peça de gregoriano na Sé Catedral do Porto, é das experiências mais conciliadoras que alguma vez experimentei. Deus despojado de arranjos.

Quando abandonei a minha vocação, a música continuava a vibrar-me No sangue, estudei canto na escola de jazz do porto, tive professores de todo o mundo. Aí apercebi-me da universalidade da música e da identidade da mesma. Uma professora alemã, de uma rigidez atroz, onde a regra fazia sentido. Ou era ou não era, como na vida. E uma doce professora brasileira, de candura no poema a lembrar uma Elis de sempre. A minha banda, Pólen, surge por estes anos, já lá vão mais de 20. Pelo caminho estudei piano e guitarra, um péssimo músico instrumental!

A música era a parte mais expressiva da minha comunicação. Anos mais tarde estudei canto à capela, quanto menos, melhor. Eduquei a afinação. Ouvi-me. Há um autismo de discurso que perdemos quando ganhamos consciência da voz. Dei o tempo necessário e passei para para canto lírico, sempre fui barítono, havia que abrir os pulmões e explorar a minha cabeça, como difusora de som e não só de ideias. Tornei-me caixa da minha própria voz. Eu era dos que falava baixo. No lírico aprendi que o corpo não é o que te define, é a tua voz, chegar ao fundo da sala sem gritar, colocar-me na acentuação musical certa e determinada. Ainda uso esta técnica para fazer televisão e para ir ao mercado, temos de saber o que queremos, muda a escala!

Anos mais tarde voltei ao jazz, mas com aulas privadas, queria um professor a olhar para mim e dar-me o ritmo libertino, africano e americano, das boas regras do jazz. Educar a abertura de boca, a colocação da simplicidade nas palavras, um despir-me de adereços. E eis-me no ponto que sempre quis. Faço da minha voz o que quero, como quero. Sei dos meus limites, sei da minha estética vocal, conheço o meu aparelho. A música, tem menos palco nos meus dias, mas ganhou mais ouvido, mais recato. Nem sempre ter é conquistar. Sou mais homem, na plenitude da humanidade e espiritualidade que me constitui, porque sou músico. Não pelas músicas que fiz, poemas de musiquei, ou palcos onde cantei; sou mais porque pela música percebo o silêncio, o único lugar a partir do qual a música e a vida se compõem. 

Abraço

HR





segunda-feira, janeiro 28, 2019

A força da lareira





Há um momento em senti, agora sou adulto. Quando tive a minha lareira, a acendi, abri um vinho tinto, e usufrui sozinho, à hora que eu quis. Fiz-me homem. É, não foi preciso muito mais.

A liberdade do fazer tem um preço inquestionável. A determinação em conquistar essa liberdade é a prova dos nove de que se é capaz, até pode não apetecer mais. Nunca o lume me aqueceu tanto. Acender uma lareira tem ciência. A lenha miúda no princípio, depois um ou dois paus bem secos e mais adiante um tronco que lhe dê o sustento para o tempo.

Mas o mais importante é que a lenha que vais usar foste tu que a conseguiste. Neste momento és independente.  Porque o fogo que te aquece a casa foi gerado por ti.

Parece simples. Eu sei. Mas não é. Há muita lenha verde a ser vendida como seca e tanta lareira que se abafa no próprio fumo.

HR

terça-feira, janeiro 15, 2019

Liberdade

Deixa que os pássaros te alimentem de liberdade
Deixa-te ter as asas dos bandos que te invocaram
Abre o peito à loucura de seres tu
Mais pássaro que homem
Mais homem que animal
   HR

segunda-feira, janeiro 14, 2019

ROSTOS DE S. TOMÉ






Leve leve. Quem vai a S. Tomé não ouve outra coisa. Um povo doce, um país que explode de verde e tropicalidade, uma pobreza que dói, e sempre um leve leve na boca, como se fosse um credo. Olhos sempre meigos e generosos. Sorriso no lábio escuro e um ritmo acesso no pé.

Quando lá cheguei consegui um guia, na verdade era um jovem que conhecia bem a ilha, e mostrou-a como se fosse a sua casa. Leve leve é o que diz a gente dele. A vida é dura, muito dura, mas levam tudo leve, um mergulho na baia, uma fruta da mata, e amanhã logo se verá. Mas como pode ser leve quando vos falta tanto... Falta? Não falta não, nunca tivemos, não pode faltar. leve leve

Tentei cumprir este leve leve no meu regresso, como se fosse resolução de novo ano. Não consegui. Tenho coisas a mais, na casa e na alma, o que me faz parecer que tudo me faz falta, e sem isso... é pesado o peso da vida. Tenho mesmo de fazer uma limpeza para dar espaço ao leve leve de S. Tomé e Príncipe.